Sessão da Câmara Municipal de Resende se torna palco de discurso de ódio
Fala de vereador repercute nas redes sociais por, em tese, representar apologia ao crime de tortura.

 

No dia 09 de Novembro de 2021, a 64ª sessão da Câmara Municipal de Resende foi cenário de falas polêmicas e muito criticadas nas redes sociais. Paralelamente às pautas previstas para a reunião, um dos representantes legislativos foi filmado proferindo discurso considerado partidário e enaltecedor de práticas de tortura.

Em vídeo divulgado na internet, é possível verificar parte da fala do vereador, que fez menção honrosa a Sérgio Paranhos Fleury, delegado ligado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), cumprimentando-o pelo assassinato do “maior terrorista que esse país já teve”, referindo-se a Carlos Marighella. Além disso, esbravejou que o delegado “deveria ter levado outros, como a terrorista Dilma, que deveria estar presa. Assassina! Pessoa de maldade única!”.

Depois de relembrar com alegria esse “feito histórico”, segundo suas próprias palavras, comemorou o fato de que “a cada dia que passa, nosso país vai melhorando mais, porque estamos nos livrando desses ratos, dessas coisas ruins que já dominaram esse país”.

 

Breve digressão sobre Sério Paranhos Fleury

Sérgio Paranhos Fleury atuou na Ditadura Militar Brasileira junto ao DOPS, chefiando-o. Foi reconhecido como o principal líder do Esquadrão da Morte, que atuava nas periferias de São Paulo, e ganhou relevância durante o regime militar pelo seu modus operandi – capturava os “subversivos” e torturava-os até que eles entregassem os demais membros da oposição.

Foi apontado como um dos torturadores do Frei Tito, um católico que foi perseguido por discordar da política militar durante a ditadura e, posteriormente, suicidou-se por não conseguir superar as memórias deixadas pelas sessões de tortura as quais foi submetido.

Após a comprovação e reconhecimento dos atos ilegais praticados, chegou a ter seu nome retirado de um logradouro na cidade de São Paulo, que passou a se chamar Rua Frei Tito. Ademais, foi também o responsável pelo assassinato de Carlos Marighella, em 1969.

 

A relativização dos direitos fundamentais e o caso em análise

A Constituição da República Federativa do Brasil lista, exemplificativamente, diversos direitos fundamentais que não são absolutos, admitindo relativizações a depender do caso concreto. São relativizados, na maior parte das vezes, quando se tem em disputa duas (ou mais) garantias constitucionais, devendo haver, então, uma ponderação entre eles para aferir qual deve prevalecer.

No caso em análise temos um claro embate entre a inviolabilidade das opiniões dos vereadores (Art. 29, VIII CF) e o direito a não ser torturado (Art. 5º, III CF), que engloba a proibição de apologia a essa prática. Em relação à inviolabilidade, prevê o texto constitucional que os vereadores são invioláveis civil e penalmente pelas suas opiniões, palavras e votos. Essa redação significa que, no exercício de sua função, o parlamentar poderia proferir quaisquer opiniões, sem importar nenhuma sanção. Contudo, a dúvida que surge é se o manto da inviolabilidade é capaz de acobertar toda e qualquer opinião ou não.
 

Existem direitos absolutos?

A partir dessa perspectiva, parte da doutrina, especialmente a defensora Renata Tavares, desenvolveu um entendimento que prevê a existência de apenas três direitos absolutos e inegociáveis, quais sejam: (i) direito a não ser escravizado; (ii) o direito a não ser torturado e (iii) o direito a não ser condenado com base em provas ilícitas. Todas essas garantias são consagradas no âmbito internacional e dizem respeito à dignidade da pessoa humana em seu aspecto mais essencial.

Assim, evidencia-se que não existe motivação alguma que justifique a tortura, tampouco a sua apologia, sendo totalmente intolerável e inaceitável a conduta criminosa do parlamentar.
 

O que pode acontecer com o vereador?

É possível vislumbrar, diante desse caso, a responsabilidade civil, criminal e administrativa (impeachment) do parlamentar, que poderá ser submetido às penas da lei após o devido processo legal.

Convém destacar, por fim, a necessidade de ampliar esse tipo de debate, no sentido de, em consonância com as orientações da comunidade internacional, repudiar qualquer forma de tortura ou apologia a essa prática deplorável que afronta os princípios fundamentais adotados no nosso ordenamento jurídico.
 

Artigo elaborado por Aline Farage Sahione Advogada (OAB/RJ 234.120) na DRD ADVOGADOS - Advogados especialistas em atendimento digital.

Esse artigo possui caráter meramente informativo.

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