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Introdução
O novo ministro da Defesa, general Walter Braga Neto, afirmou, em nota, que o período da ditadura militar serviu para "pacificar o país" e deve ser celebrado. Braga Netto disse que, na época, as Forças Armadas enfrentaram "desgastes para reorganizar o Brasil e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos". O texto foi divulgado em alusão aos 57 anos do golpe de 01 de abril de 1964.
Partindo dessa notícia do dia 30 de março desse ano, importante fazer um breve desvio para tratar de outro tópico que muito se fala atualmente, sobre a liberdade de opinião. Serão breves as linhas sobre ela, seguirei na tentativa de encontrar um lugar de onde formá-las.
O “direito de opinar” não pode ser posto como barreira em uma discussão. Melhor dizendo, partindo de uma mentira, qualquer discussão pode ser interditada segundo esse afirmado direito, no caso apresentado, discordar do general poderia ser tido como desrespeito à sua opinião, permitindo que o mesmo mantenha o debate tendo essa premissa como base.
Em suma, e por mais óbvio que pareça ser, faz-se importante apontar que não podemos ter como fundamento um passado mentiroso/fantasioso para entender e regulamentar qualquer instância da vida no tempo presente.
Em sua fala, o novo ministro da Defesa afirma que a ditadura civil-militar serviu para pacificar o país e traz esse fato sabidamente falso revestido como sendo sua opinião, devendo ela ser respeitada. Contudo, entendo que para o estabelecimento de qualquer debate, principalmente na posição funcional que se encontra um ministro, deve-se ter como premissas fatos verdadeiros e comprovados.
Uma pessoa encarregada de um ministério dissimular uma mentira fantasiada de opinião a fim de defender seu ponto de vista, e consequentemente suas ideias políticas, é uma atitude extremamente danosa para a sociedade para qual ele deveria prestar o ofício que foi encarregado da melhor e mais honesta maneira.
Golpe de 64 e Ditadura
A fim de demonstrar a verdade dos fatos relativos à época que se refere o atual ministro, no ano de 2011, (...) foi criada pela lei 12.528 a Comissão Nacional da Verdade, com o objetivo de “apurar graves violações de direitos humanos ocorridos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988”.
Instituída em maio de 2012, quase trinta anos depois do fim da ditadura civil-militar, veio investigar os crimes de agentes do Estado contra cidadãos que lutaram contra a repressão. Resultado de uma longa luta de familiares e grupos de defesa dos direitos humanos tinha um prazo de dois anos para os trabalhos, que foi estendido para dois anos e meio[1].
Seu objetivo não era o de punir nem indiciar criminalmente qualquer agente que tenha violado direitos humanos nessa época, seu papel era de elucidar os fatos em respeito a memória dos que sofreram intervenções injustas e arbitrárias perpetradas pelo Estado brasileiro.
Seus trabalhos completos foram compilados e divulgados em relatórios que demonstraram cabalmente inúmeras violações, as quais não vamos nos aprofundar. Importante reforçar, que todas as informações constantes do relatório foram cabalmente comprovadas por minuciosas investigações realizadas pelos inúmeros pesquisadores envolvidos nos trabalhos da comissão.
A fim de reforçar o argumento no sentido de ter sido um péssimo momento histórico, diferente do que afirma o atual ministro da Defesa, a ditadura militar que vigeu no país após 1964, a própria União assume a culpa pelos atos de seus agentes que perseguiram e violentaram os que lutavam contra o regime autoritário.
O governo federal paga indenizações a diversas pessoas perseguidas pelo governo tirano da época, assumindo assim a culpa e reconhecendo o acontecimento de perseguições políticas, o que vai de encontro por completo à afirmação do ministro que disse que esse momento serviu para “garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.
Ainda sobre o mesmo tema, infeliz e recente notícia, foi a manifestação de outra ministra desse (des)governo atual, que também se valendo desse revisionismo histórico tenta rever as indenizações devidas aos que sofreram diretamente as arbitrariedades ditatoriais.
Em resposta aos possíveis desmontes do governo, pesquisadores, entidades de direitos humanos e ex-integrantes da Comissão de Anistia lançaram um manifesto no qual afirmam:
“Durante quase 20 anos o processo de reparação às vítimas foi escrutinado e submeteu-se estritamente às regras jurídicas do país. Não é aceitável que se tente impor mudanças interpretativas sobre os critérios da lei que foram aplicados por diferentes Ministros da Justiça de diferentes governos ao longo do tempo e, com isso, venham a comprometer a continuidade da agenda pendente da transição. A agenda da transição e o processo de reparação às vítimas é uma agenda de Estado e não de governo. Esperamos que não se instale no país práticas de revisionismo histórico. A Comissão de Anistia é uma Comissão de Estado, e não de governo” [2].
Nota o Ministério da Defesa e Decisão do TRF-5
Avançando para o tempo presente, há alguns anos a chegada da data de 31 de março/01 de abril reacende a discussão sobre o tema, em meados de março desse ano foi publicada a Ordem do Dia com recomendação para que em 31 de março fosse celebrado o aniversário do golpe-militar (que na realidade ocorreu em 01 de abril), dentre diversas outras manifestações realizadas por figuras públicas nesse mesmo sentido.
Nesse contexto, partindo de uma nota da página do Ministério da Defesa que celebrava o golpe de 64, foi feito um pedido judicial para que fosse retirada a nota do ar. Em primeira instância, o juízo da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte determinou a retirada, uma vez que ele era “nitidamente incompatível com os valores democráticos insertos na Constituição de 1988".
Contudo, a Advocacia Geral da União (a mesma que acatou o entendimento pelo dever de indenizar aos perseguidos pela ditadura) recorreu da decisão partindo de argumentos no sentido de que a demanda apresentada para tirar a nota do ar procura negar a discussão sobre esse período histórico vivido no país, em contrassenso com os ideais almejados pela Constituição Federal, e tenta impor somente um tipo de projeto para a sociedade, sem possibilitar a discussão das visões do passado.
Com tal recurso interposto, por maioria de votos, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu provimento a recurso e cassou liminar que ordenava que a página retirasse do ar a nota que celebra o golpe. Os desembargadores entenderam que o texto não "ofende os postulados do Estado democrático de Direito nem os valores constitucionais da separação dos Poderes ou da liberdade, de modo a ensejar a interferência do Judiciário em sede de ação popular".
Conclusão
Em conclusão, tem-se nítida a tentativa de revisão forçada e mentirosa do período ditatorial vivido no Brasil a partir do ano de 1964 até a redemocratização, talvez como consequência de um grande e mal amarrado acordo realizado entre as forças políticas e militares da época que não apontaram qualquer, e impediram a imputação, de culpa aos agentes do terror promovido em nome do próprio Estado brasileiro.
Devido à abrangência da Lei da Anistia, que também alcançou os agentes do estado ditatorial, além dos “criminosos políticos” perseguidos, restou a impunidade e com o tempo cresceu o sentimento de injustiça dos militares e defensores dos regimes de exceção, motivado por diversos fatores, que nos trouxeram até o nosso caótico momento político atual, onde em “nome da liberdade” defendem regimes autoritários, a ponto de pedirem a volta do AI-5 com suas incontáveis restrições de liberdades, e o fechamento de órgãos essenciais para o estabelecimento e reforço da democracia.
Jamais deixemos de defender a verdade histórica e as instituições democráticas, precisamos de ambas para conseguir viver numa sociedade livre e justa, entender e reparar os erros do passado que forem passíveis de reparação. Quanto aos inúmeros erros ocorridos durante a ditadura que são impossíveis de compensação, que se respeite a memória deles para que nos permita buscar caminhos alternativos distantes da forma como ocorreram no passado.
Por João Pedro Ribeiro Guedes de Souza